E se ninguém quiser me ouvir?

Alexia Cristhine
3 min readMar 20, 2022

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Quando eu era mais nova sonhava em ser escritora, eu lia os agradecimentos dos meus livros e ficava imaginando como seriam os meus, via as dedicatórias e ficava pensando em quem eu colocaria ali, minha mãe, minha melhor amiga da escola, minha cachorrinha, ou simplesmente toda minha família?

Eu nunca conseguia decidir, mas sabia que tinha tempo, as pessoas sempre me perguntavam o que eu seria quando crescer, e eu ainda era bem pequeninha, as estórias que escrevia em meus cadernos ainda não precisam de dedicatória e agradecimentos.

Quando eu era adolescente já não pensava mais em amigos para colocar na minha dedicatória, e eu amava minha família, porém, sabia que eles não iam apoiar o meu sonho ser uma escritora, eles me amavam, mas diziam que eu tinha que fazer algo que me desse dinheiro, que me garantisse um “emprego de verdade".

Isso me magoava , na época achava que eles não mereciam estar nos meus agradecimentos, em todos os livros que lia as autoras agradeciam à aqueles que sempre as apoiaram, e o único apoio que eu tinha para seguir o meu sonho, era o meu e o apoio das palavras. Nós éramos as únicas que não diziam que aquilo era besteira, que era impossível, e durante muito tempo eu acreditei com toda minha força adolescente nesse sonho, que lutava para não deixar morrer.

Mas eu cresci e assim como a minha família me tornei adulta, vi que minhas palavras, todos os dias, salvavam minha vida, mas que não colocavam comida na minha mesa. Quem iria se interessar pelo que uma garota negra e pobre tinha a dizerz? Percebi que eu escrevia porque queria ser ouvida, e junto a isso também percebi que estava aos poucos desistindo por entender que não era eu quem as pessoas queriam ouvir.

Então, desisti, passei na universidade, foquei em tentar achar um emprego, encontrei outras coisas que amava, mas sempre que lia a dedicatória e os agradecimentos de um livro não conseguia evitar o mesmo pensamento de outrora, quem eu colocaria aqui? Como eles seriam se fossem escritos por mim?

Dentro de mim ainda pulsava o desejo de ser ouvida, as palavras ainda gritavam que a gente podia conseguir, mas a adulta que enxergou a dureza da realidade não acreditava mais em sonhos e paixões. De que adianta ter a cabeça cheia de sonhos, se a barriga corre o risco de estar vazia? Sonhos não pagam contas , sonhos não ajudam o teu corpo a sobreviver.

Mas mesmo com a realidade batendo na porta, algo nos livros ainda me chamava, as palavras não me abandonavam mesmo quando eu abandonava elas, parei para pensar que sonhos realmente não ajudavam o meu corpo a sobreviver, não alimentavam minha barriga, mas ajudavam a minha alma a não perecer, mas alimentavam a minha vontade de VIVER.

As palavras salvaram minha vida mais de uma vez, e isso não podia ser ignorado. As pessoas podem não querer me ouvir, mas isso não significa que o que escrevo não tem valor. Posso nunca conseguir publicar um livro, viver da minha escrita e ter ela como profissão, mas eu sei que nunca deixei de ser uma escritora, assim como minha escritora preferida, Conceição Evaristo, sigo com as minhas escrevivências, fazendo aquilo que alimenta a minha alma e que me dá um pouco de alegria em meio a realidade tão sofrida.

Me afastei da criança que sonhava em ser escritora, mas hoje sei que ela nunca se afastou de mim, e é a ela a quem dedico esse texto, meus agradecimentos são a ela e as palavras, pois as duas foram as únicas que do começo ao fim não dessistiram de mim e é por elas que sigo escrevendo e sigo sonhando com o dia em que enfim, alguém queira me ouvir.

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Alexia Cristhine

Mulher, negra, LGBT // Escrevo sobre amor para aliviar a alma. Escrevo sobre a dor para tentar curá-la. Escrevo sobre a realidade para tentar mudá-la.