O peso do não amor
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Quando volto em minhas memórias, em meio às brincadeiras de infância, me lembro das palavras maldosas, da exclusão e da falta de afeto.
Não que minha vida inteira tenha sido cercada de desamor, eu sei que existem pessoas que me amam, mas eu cresci cercadas de pessoas que tinham seu jeito próprio de demonstrar amor, pessoas que me ensinaram a ser forte, e me ensinaram que eu não estaria sozinha quando tudo desse errado, mas também pessoas que nunca me disseram que estava tudo bem chorar, que não iriam me julgar se eu errar, ou de pessoas que assim como eu, na infância também aprenderam junto ao abc o significado da palavra rejeição, e que aprenderam que o único jeito de lidar com ela, era ser forte e não demonstrar que isso as atingia.
As pessoas que me amavam, me amavam de longe e em silêncio, elas não abraçavam e não diziam eu te amo, mas as pessoas que me rejeitavam, não excitavam em demonstrar seu asco perto de mim, não escondiam a vergonha e o nojo em me tocar, não mediam palavras para dizer o que era errado e feio em mim.
Cresci com um amor sutil, dito em meias palavras, em ações singelas, e também cresci com um ódio latente de muita gente, por quem eu era.
Esses dias me questionei “porque não sou gentil comigo?”
Hoje eu sou capaz de responder, porque nunca foram gentis comigo, porque não vivenciei o que era o amor na mesma proporção que vivenciei o que era o ódio.
Quando repetidas vezes enfatizam o quão inadequada e ruim você é, aquilo passa de uma opinião alheia, a verdade absoluta, que rege a maneira como você passa a se enxergar.
Como colher gentileza e amor em um solo em que foi semeado desprezo e ódio?
Não culpo aqueles que me amam por não demonstrarem mais, por não perceberem que em muitos momentos eu não queria sofrer sozinha, que eu não queria ser forte o tempo inteiro. Não existe culpa nessa relação, pois sei que eles fizeram o melhor que podiam com o pouco amor que também lhes foi dado.
Somos feitos de ciclo, as pessoas que me amavam eram pessoas iguais a mim, pessoas vistas historicamente sob a ótica da desumanização. Romper com os ciclos que nos aprisionam e nos violentam é difícil, propagar amor quando recebemos o ódio chega a ser, em certo ponto, até cruel, mas quando crescemos e olhamos para trás, percebemos que se um de nós tivesse tido a possibilidade de quebrar esse ciclo e compartilhar amor e respeito entre os seus iguais, as feridas iriam ser curadas com mais facilidade.
A resposta para o de desamor nunca é o seu sinônimo, é necessário ser antagônico à lógica que nos quer pintar como raivosos sem coração. Quando pensamos por uma ótica do amor somos capazes de criar novas estórias, somos capazes de oferecer a próxima geração a oportunidade de nas suas memórias de infância existirem apenas brincadeiras e a lembrança de um tempo onde tudo que irão aprender será sobre como amar e compartilhar amor, oferecemos a elas a chance de não ter que lidar com o peso do desamor.